Autor: lsanthyagobd

Clarêncio, O Otimista

Texto da uveana Kamila Silva

Eu vivo em crise com a UVE. Nunca sei se lidamos bem com os conflitos que aparecem nas falas significativas ou nas discussões que a gente vê entre as crianças. Eu não sei se é porque sempre tenho que resolver as coisas na minha casa que eu acabo ficando desesperada quando vejo uma treta e fico AH MEL DELS TENHO QUE RESOLVER!! O problema é que eu levo isso pros conflitos que as crianças me trazem e aí adeus autonomia, adeus independência, adeus tratar crianças como os sujeitos políticos que são…

Daí que eu amo desenho animado, amo muito e Clarêncio, o Otimista é incrível porque faz exatamente isso: protagonismo! E vendo desenho eu vi que tava minando o protagonismo das crianças. Este episódio foi o mais marcante. Os papéis de gênero são demarcados igual a maioria das animações, mas o jeito como as crianças subvertem esses papéis heterocentrados é simplesmente ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ E elas não fazem isso a partir de uma estrutura pai/filho, professor/aluno, orientador/crianças! É isso.

Gratidão :)

Texto do uveano Matheus Lira

A transcendência de uma formalidade acadêmica pode se manifestar de diversas maneiras. Uma delas pode corresponder ao vínculo criado entre os colegas de um determinado ambiente universitário, ou então nas relações entre os estudantes e os funcionários de uma situada Academia.

A princípio, um projeto de extensão universitária se encaixaria nessa delimitação da então citada formalidade acadêmica, haja vista que ele visa preencher o requisito daquele já conhecido tripé da formação: ensino, pesquisa e extensão. Todavia, quem conhece sabe que no caso da UVE essa categorização não passaria de uma tremenda redutibilidade do que o projeto representa pra vida dos orientadores e das crianças orientadas.

Todo ser humano é constituído pelas suas vivências. Individualmente, posso dizer que a maneira como troco experiências e conteúdo com as crianças é sublime. Cada uma delas é dotada de uma subjetividade única, expressada através do trajeto que elas percorreram até o momento presente. Diante disso, um desejo nostálgico me invade. Este, consiste no querer ter tido a oportunidade de ter uma UVE quando eu era criança. Se isso tivesse ocorrido, não tenho dúvidas de que meu processo de empoderamento e de autoaceitação se estabeleceria mais rápido.

A horizontalidade nas trocas permitiu-me desenvolver uma das mais ricas coisas que espécie humana pode criar: A alteridade. Essa capacidade de nós, como seres sociais, assentarmos vínculos de interdependência por meio da identificação no outro como um semelhante é imprescindível pra vida em comunidade. Ela permite melhorar-nos como indivíduos, e com isso conseguimos ver melhor os problemas que assolam a vida dos nossos próximos, alimentando assim aquela utopia prospectiva de um mundo sem opressões e exploração.

Reconheço nas crianças e nos orientadores indivíduos com igual potencial para a manifestação da realização pessoal e coletiva. Portanto, enquanto o projeto do mundo ideal não se concretiza, que ele seja presente ao menos na horta comunitária do Itapoã.

Gratidão define.

Amor <3

Texto da uveana Larissa Akemi.

Esse resto de euforia que se externa e me impele a escrever…

Acabo de voltar de mais uma atividade uveana – o dia todo dedicado a medir, cortar, dobrar, montar nosso stand; “olá, você conhece a UVE?”, “hein?… Bom, a UVE é…”; pausa para aula; reunião do GT; casa: contagem dos materiais para o próximo evento.

Admito, sim, sou dada ao frenesi; ao bem-estar que permeia o sentimento da estafa, ao final de um conjunto de esforços no sentido de fazer dar certo.

Tantas pessoas empenhadas em fazer dar certo. Dar certo o quê? Tantas reuniões, gerais e teóricas, para definir o que, exatamente, a UVE quer fazer dar certo. Numa dessas, a gente descobre a dúvida dos próprios membros quanto à capacidade da UVE de fazê-lo. Dar certo como? Dar certo quanto?

Eu, recém-ingressa uveana, insisto em vê-la com o maior otimismo – impossível de outra forma. Talvez só não tenha a bagagem suficiente para balançar minha crença, pueril quiçá, na eficiência de todo o projeto. Mas em que se mede essa eficiência afinal?

Minha visão sobre a UVE é possível que seja egoísta, individualista demais. Todavia, proponho uma análise a esse nível, precisamente: o do indivíduo. A largo das ideologias e dos princípios teóricos da UVE, somos e agimos sobre, com e como indivíduos. Não apenas nós, extensionistas, mas cada uma das pessoas com quem nos encontramos, interagimos e conhecemos. Somos todos sujeitos individuais; concebemos e sentimos o mundo como tais. Cada um percebe sua eficiência de maneira particular.

Para mim, a UVE surgiu em um momento incrivelmente propício no aspecto pessoal. Me trouxe a convivência com pessoas que compartilham dessa mesma “vontade de fazer dar certo” e que, sobretudo, fazem da UVE um espaço de libertação e companheirismo ímpar.

Sob a ótica de cada um dos membros, a UVE se mostra eficiente de alguma maneira e por algum motivo; este que nos faz congregar toda semana sem necessidade de incentivos extrínsecos ou de coação. Sob a ótica acadêmica, entretanto, é possível que a UVE, apesar dos seus dez anos, ainda esteja em um campo abstrato da extensão; onde não se calculam muito bem seus resultados patentes ou se mensura a abrangência dos seus efeitos sobre a realidade.

É como cada uma das nossas crianças: ela cresce, e a gente acompanha, orientando seu desenvolvimento de acordo com os valores que achamos mais pertinentes; mas dando liberdade para que ela revele sua essência no decorrer das atividades.

Ademais, a UVE nos motiva a crescer também. Sou maior hoje, como uveana. Sou mais plenamente eu. Sou mais que eu; pois sou ao lado de tantas pessoas que configuram meu ser. Sou mais completa.

Talvez eu veja a UVE mais como esse palco etéreo de bons momentos – é a concepção condicionada pelo meu interior. Por vezes, esqueço o projeto acadêmico e as demandas inerentes à sua natureza. Reiterando: uma visão possivelmente egoísta e individualista da extensão – no entanto, quase inevitável, quando se percebe a UVE como claro ponto signatário de sentido, significado e gozo ao meu início de graduação.

Sou apaixonada pela UVE e pelo trabalho que desenvolvemos. É como toda paixão, que não se reduz precisamente às explicações. A gente ama consciente de todas as suas imprecisões. A gente ama não explicitando motivos, mas impelidos pela própria motivação que nos dá. A gente ama e isso faz tão bem. A gente ama junto. A gente ama, só.

A gente ama.

Cidadania, humanidade e extensão

Este texto é de autoria da uveana Nadija Lucas, com base nas reflexões de todo o grupo durante reunião do dia trinta de maio de 2015.

O que define o cidadão? O que define o ser humano? E até onde esses dois conceitos pretendem-se universais? Se o cidadão é aquele que deve ter todos os seus direitos reconhecidos, e o humano é nosso marcador comum de espécie, quem pode-se dizer detentor das duas características, cidadão e humano? Quantas vezes na História da ‘humanidade’ vimos grupos serem subjugados, caracterizados e considerados sub-humanos ou não-humanos, para assim, terem seus direitos e sua cidadania negados? Quantas vezes ainda vemos? É possível separar a cidadania da humanidade? E o que nos une como esta espécie humana que anda de mãos dadas (?) sabe-se lá quando sabe-se lá para onde?

Poderíamos dizer que, no nosso contexto capitalista, o consumo está sempre se propagando como a forma mais universal de ser humano. A maior divergência que temos para com as outras espécies animais, tidas como não-racionais, está em nossas rotinas permeadas de compra, venda e propaganda, desde itens básicos de sobrevivência (como água, por exemplo) a itens mais supérfluos: (Quase?) Tudo é (ou só pode ser) comprável. Dentro desse dia-a-dia de consumo que levamos (por sobrevivência ou seja lá por que), uma série de indivíduos já vai sendo subalternizada, já vai sendo encaixada no sub-humano, os indivíduos sem poder de compra. Até onde estes indivíduos podem ser ditos cidadãos, com direitos plenos e garantidos pelo Estado-nação do qual ‘fazem parte’?

A classe não é a única forma de exclusão, até porque ela não é a única marca que nega e/ou invisibiliza direitos e subjetividades. O próprio conceito de cidadão foi demarcado a partir de certas biopolíticas: Cidadãos na antiguidade clássica greco-romana eram os homens, de vinte e um anos, não-escravos e não-imigrantes. Quando um Estado democrata, que pretende discutir os direitos e deveres de tudo o que concerne a uma sociedade, que pretende ser representação e gestão do povo em suas totalidades e pretende até demarcar estas totalidades, quando este Estado delimita os sujeitos que podem ou não podem participar de suas deliberações e debates, este Estado exclui. Não só exclui como também cria elites, e a partir das biopolíticas mais presentes no nosso mundo ocidental, podemos perceber diversas elites e guetos de classe, gênero, raça, sexualidade, etc.

Enquanto os grupos que não fazem parte deste sujeito universal cidadão lutam e reivindicam mais direitos, suas reivindicações ainda estão submetidas a um Estado insuficiente em democracia. Os grupos que não fazem parte deste sujeito universal cidadão são muitas vezes limitados pelas definições que o próprio sujeito universal cidadão impõe. Temos um Estado constituído majoritariamente por elites: Homens cisgêneros heterossexuais brancos e não-pobres. E toda a luta levantada pelos grupos que não fazem parte destas elites, pelas mulheres, pelos transgêneros, pelos ALGBTIs, pelos negros e pelos pobres, toda a luta destes grupos em defesa de seus direitos acaba, na nossa república, sendo submetida às deliberações e debates de grupos que já tem esses direitos. Mais que isso, sendo submetida à lógica destes grupos que nunca tiveram os direitos que estão sendo reivincados negados. Nisto enquanto reivindicamos uma justiça social gigantesca enquanto grupos marginalizados, o Estado analisa nossas reivindicações e legitima apenas uma parcela destas. E enquanto reivindicamos conquistas, o Estado vai nos concedendo pequenos direitos, pequenos prêmios que em suas propagandas ele trata como dádivas, doido para finalizar e invisibilizar nossas lutas que por ele não foram contempladas.

Nesse contexto de cidadanias e humanidades negadas, é necessário pensar um novo projeto de humanidade. Para além das barganhas que precisamos fazer com o sistema no qual estamos inseridos pela nossa sobrevivência, precisamos aos poucos repensar o projeto de humanidade. Não precisamos só de uma inclusão num mundo elitizado, precisamos desconstruir privilégios e opressões. Precisamos lutar pelos direitos, e também pela revisão dos sistemas de luta e concessão desses direitos. E dentro dessas lutas, faz-se necessário que não só nós busquemos um reconhecimento pleno por parte do Estado, mas que o Estado busque nos reconhecer. Precisamos de um Estado que contemple todos os grupos humanos, ou seja, um Estado representativo de verdade. E onde entra a UVE e a extensão no geral no meio desse rolê todo complexo?

O empoderamento, a autonomia e a alteridade dentro dos nossos ideais e pensados no decorrer de nossas atividades não são necessários para a construção de projetos de humanidade em que todos se respeitem? Mas até que ponto este espaço de alteridade e autonomia já não é construído dentro de situações de poder, sendo nós orientadoras e orientadores universitárias e as participantes das atividades crianças em idade escolar? E quem somos nós para ‘empoderar’ o outro? Vixe…

E voltamos ao Paulo Freire, aquele senhor teórico que tanto nos inspirou para este projeto, ao pensar: Porque, afinal, entramos para a UVE? Não seria naquele estranho resquício de moral cristã, naquela coisa de querer “salvar” os outros, aquela coisa que já pressupõe hierarquizações de sujeitos e subjetividades – o redentor e o redimido? Como nós, enquanto sujeitos privilegiados, alguns homens, outros cisgêneros, outros brancos, outros heterossexuais, outros não-pobres, como nós iremos trabalhar na desconstrução de hierarquias e relações de poder, sendo por vezes parte desse poder? É aqui que precisamos reconhecer nossos privilégios e desconstruí-los. É aqui, no choque entre nossas subjetividades e as das crianças, e também no choque entre as subjetividades de cada orientadora/orientador, que temos a chance de reaver nossas relações humanas e o destino que queremos dar a elas. É aqui que podemos construir juntos. Nos empoderar – não ‘empoderar o outro’, mas nos empoderar como UVE, orientadoras/es e crianças – contra todas as estruturas que formam e constituem o poder como estabelecido, tendo consciência de que este poder existe de diversas formas – na escola que hierarquiza, na urbanização que exclui – e que é preciso que este poder seja distribuído para todos, e não que este poder esteja submetendo a todos. A UVE é o espaço onde uma coletividade de pessoas, todas diferentes entre si, sejam elas crianças ou orientadoras/es, tentam construir um grupo que reconhece estas diferenças, as respeita e as dá espaço para se manifestarem sem anularem uma à outra. Num contexto de cidadanias precárias e humanidades negadas, é assim que a UVE como extensão vem tentando expressar seu papel.

Porque eu entrei na UVE?

Texto do uveano João Vítor Martins:

Talvez porque eu tenha pouco acúmulo na UVE, sobre extensão, sobre educação emancipatória e dialógica ou sobre a própria experiência universitária, pensar a UVE em si seja um aglomerado infinito de perguntas. O que é a UVE? O que faço na UVE? Quais são minhas expectativas? Com que posso contribuir? Quais as transformações que a UVE vai e já me proporcionou? Como lidar com os embates constantes desde o processo de pensar atividades, como na Horta, como na própria idéia de construção horizontal tão ligado e necessário na extensão? O que é extensão? Qual papel devo assumir para contribuir nessa construção coletiva? E a própria reflexão se realmente existe respostas para essas perguntas e como (e se) vou (vamos) alcançar.

Entrei esse semestre e seria muuuita pretensão minha já conseguir tecer essas respostas. Acho que a inquietação que posso falar com talvez mais propriedade seja o porque entrei na UVE, mas ainda essa é cheia de confusões. Devia exercer com mais freqüência essa reflexão, dos motivos que me levaram a tomar decisões como me envolver em projetos, mas pensando agora acho que a dificuldade e a falta de respostas claras levem a não exercitá-la. Pensei, pensei, pensei, pensei. Acabei saindo com milhares de perguntas e nenhuma resposta aparente. Mas sempre sinto como se a palavra que (possa talvez) resumir seja “inquietação”. Com a universidade (a sonhada univerCidade), com o curso, com as pessoas, com as construções coletivas que me envolvi, com os propostos tidos como revolucionários, com as pretensões transformadoras, com a falta de reflexão, com as pessoas se jogando falando verdades sem cuidado, com as frustrações de me ver preso em um modelo de ensino que não vejo sentido pelos próximos anos, pelos pesos das minhas escolhas e ações, pelo reconhecimento de que no final não sou nada perante tanta coisa, tantas vivências, tantas lutas e tantos tapas na cara, como o meu “eu” interrompe e coloniza processos, discursos e subjetividades.

Então, a extensão surge. A UVE surge. O diálogo surge. A proposta de horizontalidade e respeito a subjetividades como um dos pilares centrais de um projeto surge. O pensar sobre a educação universitária que te engessa e te treina, pelos reconhecimentos seletivos que possibilitam os sujeitos e discursos que ali são aceitos se reproduzirem autopoieticamente num círculo eterno. A construção de uma idéia de emancipação pelo empoderamento. O sair do teu habitát, nos mais variados sentidos que isso possa ter. A reflexão de que uma fala não vai me trazer um puxão, uma reflexão, uma inquietação que nenhuma matéria, nenhuma aula, nenhum artigo.

Não que a UVE seja a santa redentora de todas essas inquietações, posso estar (talvez) perdido mas hoje a UVE representa um sentido, uma possibilidade. Não posso apagar as oportunidades estruturais, as permissões e expectativas seletivas a mim dadas, mas possa transformar isso, (re)(des)construir, ter uma postura diferente tomando essas todas inquietações como motores. E a minha rápida calma sobre todas essas perguntas é que percebo a UVE como o espaço de transformação que minhas inquietações (e eu mesmo) precisavam encontrar.