“Burn the Witch”: quem são as bruxas de 2017?

27147142393_a6627f5900_o.jpg

 

“As bruxas são muito aterrorizantes.”

Foi o que disse uma das crianças que compõem o corpo da UVE, tendo apenas 4 ou 5 anos de idade. Desde já e assim como nós, ensinada a pensar em figuras medonhas que despertam sua fértil imaginação de modo não saudável. Parece fazer parte da nossa cultura o ato de criar estereótipos demoníacos para tudo aquilo que não nos agrada, o que resvala em uma perigosa polarização, no melhor estilo maniqueísta, de um bem que para nós é o moral e o normal, e de um mal que de alguma forma nos causa estranheza e repulsa.

Porém, engana-se quem supõe que essas questões provém das mentes infantis. Na realidade, falar da demonização de pessoas e coisas é tocar numa problemática inevitavelmente adulta. A relevância dessa diferenciação reside justamente no fato de compreendermos que o “infantil” que costumamos considerar como inferior, diminuto por demasiado perante nossas brilhantes cabeças, talvez esteja anos luz à nossa frente em vários aspectos. Se é dos mais velhos que elas aprendem que a bruxa é aliada a Lúcifer e irá lhes fazer algum mal, pode ser que tenha algo muito errado no topo dessa cadeia hierárquica geracional.

Anos e mais anos de história nos permitem perceber que em diversos momentos houve um grupo, a possuir membros com  uma ou mais características em comum, que foi posto à margem da sociedade dita “normal”. A canção “Burn The Witch” (em português, “queime a bruxa”), da banda inglesa Radiohead, remonta a um período notadamente marcado pela perseguição, por parte de seguidores do cristianismo, às famigeradas bruxas. Não cabe aqui aprofundar sobre quais motivos ensejaram tais barbaridades mas o fato é que, mesmo no século XXI, aspectos que se viam à época da inquisição perduram no que tange à demonização de pessoas.

“Stay in the shadows

Cheer at the gallows

This is a round up”

Quantas são as reportagens de pessoas LGBTs agredidas física e verbalmente em razão de aspectos subjetivos que não deveriam dizer respeito a mais ninguém senão a elas mesmas? Quantas mulheres vítimas de um machismo que não dá sinais de que irá acabar? Podemos pensar ainda no nosso próprio sistema penal brasileiro que é notoriamente carregado de uma seletividade que não se orienta na punição de crimes cometidos, mas na punição de indivíduos que, por motivos de raça ou classe social, vêem-se mais vulneráveis à ação repressiva do Estado. Tudo isso possui em comum o ato de determinarmos, através de algum senso de moralidade que em algum momento deu muito errado, quais as pessoas boas e quais as pessoas más. Ou mesmo quem são os fortes e quem são os fracos.

Isso implica na trituração de subjetividades e liberdades individuais que causam, grande parte das vezes, recolhimento e medo. É o receio de ser espancado ou assassinado que faz com que tantas LGBTs não queiram andar de mãos dadas com suas/seus companheiras/os pelas ruas. Algo muito simples mas demasiadamente cheio de significados. No âmbito do projeto UVE, essa reflexão acerca da marginalização de indivíduos se faz pertinente, tendo em vista a pluralidade existente entre orientadoras/es e crianças. Pluralidade esta que, apesar de ser importante, também escancara um mar de desigualdades e nos faz questionar até que ponto é possível nos dizermos horizontais frente a relações intrinsecamente verticais.

Neste sentido, vemos que as bruxas não são questão superada. A bruxaria paira solta pelo ar e o que não falta é gente preparada para combatê-la. Infelizmente, muitas “Genis” ainda serão perseguidas aos gritos de “burn the witch”, enquanto tentam se esconder nas sombras de um espetáculo nos qual elas são protagonistas, mas que o final é uma tragédia.

Texto de Bruno Almeida, atual membro da Assessoria de Comunicação.

Deixe um comentário