educação

Cidadania, humanidade e extensão

Este texto é de autoria da uveana Nadija Lucas, com base nas reflexões de todo o grupo durante reunião do dia trinta de maio de 2015.

O que define o cidadão? O que define o ser humano? E até onde esses dois conceitos pretendem-se universais? Se o cidadão é aquele que deve ter todos os seus direitos reconhecidos, e o humano é nosso marcador comum de espécie, quem pode-se dizer detentor das duas características, cidadão e humano? Quantas vezes na História da ‘humanidade’ vimos grupos serem subjugados, caracterizados e considerados sub-humanos ou não-humanos, para assim, terem seus direitos e sua cidadania negados? Quantas vezes ainda vemos? É possível separar a cidadania da humanidade? E o que nos une como esta espécie humana que anda de mãos dadas (?) sabe-se lá quando sabe-se lá para onde?

Poderíamos dizer que, no nosso contexto capitalista, o consumo está sempre se propagando como a forma mais universal de ser humano. A maior divergência que temos para com as outras espécies animais, tidas como não-racionais, está em nossas rotinas permeadas de compra, venda e propaganda, desde itens básicos de sobrevivência (como água, por exemplo) a itens mais supérfluos: (Quase?) Tudo é (ou só pode ser) comprável. Dentro desse dia-a-dia de consumo que levamos (por sobrevivência ou seja lá por que), uma série de indivíduos já vai sendo subalternizada, já vai sendo encaixada no sub-humano, os indivíduos sem poder de compra. Até onde estes indivíduos podem ser ditos cidadãos, com direitos plenos e garantidos pelo Estado-nação do qual ‘fazem parte’?

A classe não é a única forma de exclusão, até porque ela não é a única marca que nega e/ou invisibiliza direitos e subjetividades. O próprio conceito de cidadão foi demarcado a partir de certas biopolíticas: Cidadãos na antiguidade clássica greco-romana eram os homens, de vinte e um anos, não-escravos e não-imigrantes. Quando um Estado democrata, que pretende discutir os direitos e deveres de tudo o que concerne a uma sociedade, que pretende ser representação e gestão do povo em suas totalidades e pretende até demarcar estas totalidades, quando este Estado delimita os sujeitos que podem ou não podem participar de suas deliberações e debates, este Estado exclui. Não só exclui como também cria elites, e a partir das biopolíticas mais presentes no nosso mundo ocidental, podemos perceber diversas elites e guetos de classe, gênero, raça, sexualidade, etc.

Enquanto os grupos que não fazem parte deste sujeito universal cidadão lutam e reivindicam mais direitos, suas reivindicações ainda estão submetidas a um Estado insuficiente em democracia. Os grupos que não fazem parte deste sujeito universal cidadão são muitas vezes limitados pelas definições que o próprio sujeito universal cidadão impõe. Temos um Estado constituído majoritariamente por elites: Homens cisgêneros heterossexuais brancos e não-pobres. E toda a luta levantada pelos grupos que não fazem parte destas elites, pelas mulheres, pelos transgêneros, pelos ALGBTIs, pelos negros e pelos pobres, toda a luta destes grupos em defesa de seus direitos acaba, na nossa república, sendo submetida às deliberações e debates de grupos que já tem esses direitos. Mais que isso, sendo submetida à lógica destes grupos que nunca tiveram os direitos que estão sendo reivincados negados. Nisto enquanto reivindicamos uma justiça social gigantesca enquanto grupos marginalizados, o Estado analisa nossas reivindicações e legitima apenas uma parcela destas. E enquanto reivindicamos conquistas, o Estado vai nos concedendo pequenos direitos, pequenos prêmios que em suas propagandas ele trata como dádivas, doido para finalizar e invisibilizar nossas lutas que por ele não foram contempladas.

Nesse contexto de cidadanias e humanidades negadas, é necessário pensar um novo projeto de humanidade. Para além das barganhas que precisamos fazer com o sistema no qual estamos inseridos pela nossa sobrevivência, precisamos aos poucos repensar o projeto de humanidade. Não precisamos só de uma inclusão num mundo elitizado, precisamos desconstruir privilégios e opressões. Precisamos lutar pelos direitos, e também pela revisão dos sistemas de luta e concessão desses direitos. E dentro dessas lutas, faz-se necessário que não só nós busquemos um reconhecimento pleno por parte do Estado, mas que o Estado busque nos reconhecer. Precisamos de um Estado que contemple todos os grupos humanos, ou seja, um Estado representativo de verdade. E onde entra a UVE e a extensão no geral no meio desse rolê todo complexo?

O empoderamento, a autonomia e a alteridade dentro dos nossos ideais e pensados no decorrer de nossas atividades não são necessários para a construção de projetos de humanidade em que todos se respeitem? Mas até que ponto este espaço de alteridade e autonomia já não é construído dentro de situações de poder, sendo nós orientadoras e orientadores universitárias e as participantes das atividades crianças em idade escolar? E quem somos nós para ‘empoderar’ o outro? Vixe…

E voltamos ao Paulo Freire, aquele senhor teórico que tanto nos inspirou para este projeto, ao pensar: Porque, afinal, entramos para a UVE? Não seria naquele estranho resquício de moral cristã, naquela coisa de querer “salvar” os outros, aquela coisa que já pressupõe hierarquizações de sujeitos e subjetividades – o redentor e o redimido? Como nós, enquanto sujeitos privilegiados, alguns homens, outros cisgêneros, outros brancos, outros heterossexuais, outros não-pobres, como nós iremos trabalhar na desconstrução de hierarquias e relações de poder, sendo por vezes parte desse poder? É aqui que precisamos reconhecer nossos privilégios e desconstruí-los. É aqui, no choque entre nossas subjetividades e as das crianças, e também no choque entre as subjetividades de cada orientadora/orientador, que temos a chance de reaver nossas relações humanas e o destino que queremos dar a elas. É aqui que podemos construir juntos. Nos empoderar – não ‘empoderar o outro’, mas nos empoderar como UVE, orientadoras/es e crianças – contra todas as estruturas que formam e constituem o poder como estabelecido, tendo consciência de que este poder existe de diversas formas – na escola que hierarquiza, na urbanização que exclui – e que é preciso que este poder seja distribuído para todos, e não que este poder esteja submetendo a todos. A UVE é o espaço onde uma coletividade de pessoas, todas diferentes entre si, sejam elas crianças ou orientadoras/es, tentam construir um grupo que reconhece estas diferenças, as respeita e as dá espaço para se manifestarem sem anularem uma à outra. Num contexto de cidadanias precárias e humanidades negadas, é assim que a UVE como extensão vem tentando expressar seu papel.

Na terça-feira, 24, Gabriela Monteiro (foto), 26 anos, estudante de moda da PUC-Rio e sócia da marca de joias Exímia, relatou em seu Facebook casos de racismo que há alguns semestres ela vinha vivenciado em sala de aula por duas professoras do curso. A professora e coordenadora do curso de moda da PUC-Rio, Ana Luiza Morales, disse, assim que Gabriela entrou em sala, que tinha ido ao cinema e uma mulher negra com cabelo afro a atrapalhava a ver o filme. A segunda professora, Tatiana Rybalowski, estava dando orientação para uma aluna em sala. Ao perceber a presença da Gabriela parou o que estava fazendo e disse: ‘qual seu signo? Leão?’

O que a Gabriela relatou não é de hoje. São alguns semestres ouvindo isso dentro de uma universidade onde ela mesma disse “foi na PUC que compreendi que assumir minhas característica de mulher negra não era um problema.” Somente na terça-feira, quase um mês depois que encontrei Gabriela e ela me contou essas histórias, foi que ela resolveu colocar na internet.

O relato foi parar em jornais da imprensa tradicional, blogs que discutem as questões raciais e perfis de pessoas que moram em várias regiões do país. Depois de algumas horas sem entrar na internet, ela voltou e viu que tinham milhares de pessoas apoiando e disse em seu Facebook: “Eu que antes me sentia sozinha, e que por diversas vezes me questionei se levar isso adiante era válido, 24h depois vejo que não apenas valeu a pena, como está emponderando diversas pessoas a correr atrás do seu direito de simplesmente SER, não fujam, não se oprimam ou desistam de seus objetivos, é isso que aprendi em 24h!”

E não está sozinha. Não está mesmo. Na maioria das vezes, para não dizer todas e você dizer que estou “generalizando”, que publico algum caso de racismo em meu mural, escrevo um texto aqui no Brasil Post ou falo em um ambiente algum caso de racismo, é quase automático vir uma pessoa dizer: “mas agora tudo é racismo, tudo pra vocês é machismo, homofobia. Vocês são muito chatos.”

A grande questão é que essas pessoas que dizem isso são racistas, machistas e homofóbicas, transfóbicas, gordofóbicas etc. São porque elas não conseguem ouvir o outro e acreditar que um comentário pode ofender sim.

Mas eu sei porquê vocês dizem isso, que tudo é racismo. É porque hoje a gente fala. E falar no sentido literal da palavra: vocês não vão nos silenciar mais. E quando falamos, não são mais duas ou três pessoas ouvindo. São milhões de todas as partes do país, do mundo, imprensa, blogueirxs, geral vem junto.

E aí é esculacho, né? Poxa, ter que ver a cara estampada no jornal como racista “só” porque chamei aquela garota negra de macaca e “minha” empregada de mucama. “Só” porque eu chamei aquela garota de “gorda sapatão ridícula”.

Só porque, só porque…

Eu sei o motivo! Vocês só consideram violência quando sai sangue, quando a violência é física. Ignoram o fato de que a violência é maior do que vocês pensam e do que vocês são capazes de sentir. Porque não é difícil de compreender que você, uma pessoa cis hetero branca, não entenda como uma pessoa pode se sentir ofendida quando é chamada de “macaco”, “viadinho”, “cabelo de bombril” ou “traveco”.

O que não é compreensível é você branco cis hetero querer dizer o que é ou não racismo, transfobia, homofobia.

Eu entendo também porquê você diz por aí que agora além de tudo ser racismo, todo mundo quer falar de negro. E você usa a expressão “todo mundo” porque te incomoda ter que dividir o mesmo espaço de fala daqueles que um dia só te serviram. Nunca dividiram sala de aula com você. Daqueles que sempre foram a foto para você ganhar o patrocínio, nunca o protagonista de um projeto, de uma história, da sua própria história, aliás.

Abdias do Nascimento escreveu em seu livro O negro revoltado: “[…] creio inútil identificar na mencionada tendência ‘racista’ a tradicional cerebração racista daqueles que não admitem perder o controle sobre o negro, sua cultura e sua mente. Um negro orgulhoso de sua identidade étnica é para eles uma afronta intolerável, e o negro desejar resgatar sua história e seus valores culturais, é puro racismo às avessas.”

É isso. Agora estamos falando com autoestima e sendo ouvidos. Estamos fazendo sem precisar estar sob suas asas do santo deus todo poderoso. A nossa disputa é pela vida, é a luta pela representação. Que sejamos nós os protagonistas das nossas próprias histórias, que não sejamos só a foto da legitimidade de um produto.

Aprendam a conviver com isso.

E, sim, se houver racismo, homofobia, transfobia, machismo etc, TUDO isso será tratado e escrachado em seus respectivos nomes. Vai ser tudo sim racismo, homofobia, transfobia, machismo.

Nós vamos escrachar! Não estamos sozinhos. Não passarão!

Yasmin Thayná
Originalmente publicado em http://www.brasilpost.com.br/yasmin-thayna/agora-tudo-e-racismo-voce_b_6761104.html

Um pouco de amor freireano para o início de semestre

Paulo Freire

Maravilhada por ter escolhido uma disciplina ministrada por um educador fora dos padrões conhecidos por mim, fiz um post em uma rede social exclamando essa surpresa, empolgação e preferência por professores adeptos da educação não bancária.
Inspirada por um amigo que gostaria de saber mais sobre o assunto, resolvi abrir os textos do blog do PET/POL desse semestre com o tema: Educação Libertária, colocando de forma sucinta alguns pontos do pensamento de Paulo Freire.
E o que é essa tal educação bancária, afinal? E quem foi Paulo Freire?
Educação bancária é o termo pelo qual Paulo Freire denominava o modelo tradicional de prática pedagógica. Natural de Recife, foi um dos maiores intelectuais do século XX, elaborando, como dito por ele, ‘‘uma certa compreensão ético-crítico-política da educação’’. Uma de suas bases é o ser dialógico para conscientizar com objetivo de formar cidadãos da práxis progressista, cidadãos transformadores da ordem social, econômica, política, considerando, também, a autonomia como princípio educativo. Marxista, revolucionário, solidário, libertário.
Pelo o modelo tradicional de prática pedagógica, educação bancária, então, os professores depositam, transferem conhecimentos para os seus alunos, e estes, recebem pacientemente, memorizando e repetindo. Assim, para os adeptos do modelo bancário de educação, o saber nada mais é do que uma doação dos professores, tidos como seres iluminados e dotados de todo o conhecimento, aos seus alunos que são tidos como desconhecedores.
No livro a Pedagogia do Oprimido, Freire nos deixa claro que essa doação se funda em uma das manifestações instrumentais da ideologia de opressão – a absolutização da ignorância. Mantendo os educadores como os que sempre saberão enquanto os educandos serão sempre os que nada sabem.
Perde-se, nega-se a educação e o conhecimento como processos de busca.
A visão bancária anula o poder criador dos educandos, seu pensamento crítico é desestimulado e assim, acaba por satisfazer aos interesses dos opressores que acabam por se manter na situação de que são beneficiários.
E o que querem os opressores? Querem mudar a forma de pensar dos oprimidos e não o que os oprime. Assim, é fácil entender porque a crítica não é estimulada, o pensar autêntico não é estimulado.
Pensar autenticamente é visto como perigoso.
Mas como se livrar disso?
Freire afirma que mais cedo ou mais tarde começamos a reparar sobre o que nos foi ensinado e como é a nossa realidade, e assim pode-se despertar contradições, causando um confronto contra a ‘‘domesticação’’. Começa-se a perceber a pretensão de que sejamos mantidos nessa posição fixa, invariável e assim, surge um engajamento na luta para a libertação.
Professores adeptos da educação não bancária, portanto, são professores companheiros de seus alunos. Professor adepto da educação não bancária deseja aprender com os alunos, enquanto estes aprendem com ele. Professor adepto da educação libertária almeja a libertação, e não mais a opressão.
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Não é lindo?
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Não existe mais, então, os argumentos de autoridade! Todas e todos se tornam sujeitos de seu processo de aprendizado e formação, se desenvolvendo juntos.
Enquanto na educação bancária o educador é sujeito do processo, e os seus educandos meros objetos, na educação não bancária, os dois são conciliados.
Freire afirma que a formação deve ser permanente e implica a presença de educadores instigadores, humildes e persistentes. Nessas condições, os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinando, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.
No livro Pedagogia da Autonomia, há um ponto que se chama Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos e, particularmente, acredito ser um dos mais importantes. Nesse ponto, o autor coloca a necessidade e a importância de não só respeitar os saberes com que os educandos, principalmente os das classes mais populares, chegam a ela mas também de discutir esses saberes vinculando-o ao conteúdo. ‘‘Por que não se estabelece uma ‘‘intimidade’’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?’’, Freire questiona, e, assim, ensinar também exige aceitação do novo e rejeição a formas de discriminação.
Por fim, Freire coloca que não há diálogo se não há um profundo amor ao mundo, às mulheres e aos homens. Amor é um ato de coragem, é um compromisso. O ato de amor se compromete com a causa de libertação dos e das oprimidas. O compromisso é dialógico por ser amoroso, por ser ato de liberdade. Somente com o fim da situação opressora que é possível restaurar o amor. É preciso amar. É preciso ser humilde, não silenciar, é preciso estimular o pensar crítico para se ter um verdadeiro diálogo. É preciso continuar a luta, com esperança e caráter humanizador.

Originalmente publicado em http://petpol.org/2015/03/13/um-pouco-de-amor-freireano-para-o-inicio-de-semestre/

Boas escolas formam “chatos”. Escolas ruins produzem engrenagens

Uma educação imposta de cima para baixo, desconsiderando as características próprias de cada realidade local, que ignore demandas profissionalizantes e seja tocada por professores mal tratados pode mudar a vida de um povo?

Demorei para comentar o anúncio da prefeitura do Rio de Janeiro, que utilizou uma linha de montagem pata falar da educação, mas achei que valeria uma discussão mais ampla.

Estou farto daquele papinho do self-made man cansativo de que professores e alunos podem conseguir vencer, com esforço individual, apesar de toda adversidade, e “ser alguém na vida”.

Aí surgem as histórias do tipo “Joãozinho comia biscoitos de esterco com insetos e vendia ossos de zebu para sobreviver. Mas não ficou esperando o Estado, nem seus professores lhe ajudarem e, por conta, própria, lutou, lutou, lutou (às vezes, contando com a ajuda de um mecenas da iniciativa privada), andando 73,5 quilômetros todos os dias para pegar o ônibus da escola e usando folhas de bananeira como caderno. Hoje é presidente de uma multinacional” – adoro citar essa historinha, pois ela é inventada, mas muito real.

Passando uma mensagem “se não consegue ser como Joãozinho e vencer por conta própria sem depender de uma escola de qualidade e de um bom professor, você é um verme nojento que merece nosso desprezo”. Daí para tornar as instituições públicas de ensino e a figura do próprio professor cada vez mais acessórias é um passo.

Educação é a saída, mas qual educação? Aquela defendida pelo pessoal do “Amigos do Joãozinho”?

Educar por educar, passar dados e técnicas, desconsiderando a sua própria realidade, sem conscientizar o futuro trabalhador e cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, é o mesmo que mostrar a uma engrenagem o seu lugar na máquina e ponto final.

Uma das principais funções da escola deveria ser “produzir” pessoas pensantes e contestadoras que podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar. Pode ser única para cada lugar ou uma grande linha de montagem. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação precisamos ter? Para essa tarefa, professores bem formados e remunerados são fundamentais.

Em algumas sociedades, pessoas assim, que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança, chamadas de mal-educadas e vagabundas e acusadas de serem resultado de uma educação que não deu certo.

Bom mesmo é quando, da fornada, sai um outro tijolo para o muro, igualzinho ao anterior. E ao anterior. E ao anterior…

 

escolas bancaria

 

Leonardo Sakamoto

Publicado originalmente em http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/12/14/boas-escolas-formam-chatos-escolas-ruins-produzem-engrenagens/

Manifesto Pela Educação

manifesto

MUDAR A ESCOLA, MELHORAR A EDUCAÇÃO: TRANSFORMAR UM PAÍS

Os resultados obtidos pela escola que temos não correspondem à proposta da LDBEN vigente,
porque o sistema escolar está pautado em um modelo ultrapassado. Mudanças foram feitas, certamente. Porém, os educandos não têm tempo de aprender, quando estão apenas a serviço de obter boas notas.

Embora a informação esteja acessível aos jovens, como nunca antes esteve, através de livros, internet, jogos, pessoas, organizações e comunidades, as escolas mantêm-se presas nas formas arcaicas de transmissão de ensino. E seguem utilizando estratégias como aulas frontais coletivas, para alunos enfileirados, estáticos e impedidos de se expressar e de compartilhar suas ideias. A escola ainda não percebeu que a aprendizagem só é possível quando há relação entre as pessoas, e estas estejam intermediadas pelo mundo.

Urge que os educadores e atuais gestores políticos entendam que escola é também estudo e
esforço, mas que, para além disso, aprendizagem pressupõe criação de vínculos afetivos. Como cultivar amorosidade no atribulado cotidiano das salas de aula e nas agendas lotadas dos professores?

Nesta perspectiva, indicamos ao poder público melhorias para uma nova construção social de
escola, servindo como diretrizes para uma Educação do século XXI na direção de uma sociedade solidária, justa e sustentável:

  1. Políticas Públicas em Educação previamente discutidas, aprovadas e supervisionadas pela comunidade, atendendo às necessidades específicas locais e de cada estudante em sua singularidade, cumprindo assim a LDBEN 9394/96;
  2. assegurar às escolas a dignidade de um estatuto de autonomia estipulado e
    regulamentado no artigo 15 da LDBEN;
  3. a revisão do tipo de gestão das escolas, passando de uma tradição hierárquica e burocrática para decisões colegiadas, coletivas, colaborativas e horizontais, envolvendo a participação da comunidade, dos familiares, dos educandos e dos educadores. É urgente e emergencial garantir gestão democrática, conforme o inciso VI do artigo 206 da Constituição Federal: “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. Somente assim teremos transparência, autonomia e solidariedade, valores que só se pode garantir com o quadro de uma gestão democrática;
  4. implantação de comunidades de aprendizagem concebidas por um projeto educativo
    coletivo, baseado num projeto local de desenvolvimento, consubstanciado numa lógica comunitária, que pressupõe uma profunda transformação cultural e concretiza uma efetiva diversificação das aprendizagens, tendo por referência uma política de direitos humanos, que garanta as mesmas oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos. Assenta, outrossim, na solidariedade, operando transformações nas estruturas de comunicação, intensificando a colaboração entre instituições e agentes educativos locais;
  5. uma educação integral em tempo integral para todos os estudantes, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, garantindo liberdade de organização do trabalho escolar, contemplando a heterogeneidade, não tendo como referência a faixa etária ou intelectual, mas a socialização na complementaridade, afetividade e autonomia. Que se extinga a seriação, a segmentação cartesiana do conhecimento, a disciplina isolada e exposta por um especialista em cinquenta minutos, substituindo-a pela prática de trabalhos em equipes, orientados por educadores, garantindo a construção da aprendizagem, respeitando o ritmo de cada um;
  6. que a instituição escolar ressignifique seu papel, passando a atuar como locus de construção de conhecimentos e vivências, voltado para a felicidade das suas comunidades, desfazendo-se de imposições de currículos e métodos herdados do passado enciclopedista, seja fabril ou bancário. Somente assim extinguir-se-á a diferenciação hoje existente entre os estudantes dos sistemas público (municipal, estadual e federal) e privado;
  7. durante o período de transição de uma escola do século XIX para uma do século XXI, se garanta aos profissionais da Educação, que assim o desejem, prevenção, assistência e apoio terapêutico, gratuito e constante, com objetivo de administração emocional e crescimento pessoal. Tais serviços devem ser prestados por profissionais de psicologia capazes de identificar os impactos de tal transição nas vivências dos educadores atendidos;
  8. a formação de uma rede colaborativa de comunicação, onde participem a família, os educadores, educandos, membros de comunidades de aprendizagem, representantes da mídia falada, escrita, televisiva e digital, que tenham como objetivo alavancar, promover e divulgar fóruns de debate, núcleos de reflexão, rodas de conversa, círculos de estudo, auxiliando a sociedade a discutir suas vivências, relacionamentos, convivência, comportamento afetivo, ético, moral, emocional, educacional, intelectual, artístico e físico. E que não se permita nesta rede a competição e premiação, mas sim oportunidades para todos;
  9. considerar que não pode ser descurado o desenvolvimento afetivo e emocional do
    educando, nem ignorada a necessidade da educação de atitudes com referência a um quadro de
    valores subjacentes ao projeto educativo, isto é: currículo subjetivo. Neste sentido, todo educando tem necessidades educativas especiais, manifestas em forma de aprendizagens sociais e cognitivas diversas. A escola é espaço-tempo de relações sociais, isto é: currículo de comunidade. E, se a inclusão escolar é também social, não se processa em abstrato, passa por uma gestão diversificada do currículo. Reconhecer o educando como único, recebendo-o na sua complexidade; descobrir e valorizar sua cultura, ajudando-o a descobrir-se e a ser ele próprio em equilibrada interação com os outros, são atitudes fundadoras do ato educativo e as únicas verdadeiramente indutoras da necessidade e do desejo de aprendizagem;
  10. universalização do ensino e garantia da matrícula em todos os níveis da Educação, extinguindo o corte etário, o cadastramento escolar, as provas externas, os vestibulares, as provas do ENEM e outros recursos utilizados como critérios de reservas de vagas, que constituem instrumentos de exclusão;
  11. que a Universidade se distancie de práticas de formação incompatíveis com
    necessidades educacionais do nosso século. Que substitua o predomínio das aulas expositivas e de outras práticas destituídas de fundamento teórico ou de mero bom senso (como, por exemplo, as avaliações como fim e não como meio, a disposição enfileirada das cadeiras dos estudantes etc.), por uma diversificação de processos que promovam a experiência de que todos podem aprender e provem que a excelência acadêmica não é incompatível com a inclusão social;
  12. reelaboração da cultura pessoal e profissional do educador através da vivência de práticas inovadoras em Educação que lhe possibilite uma transformação isomórfica, pois o modo como o professor aprende é como ele ensina e a teoria não precede a prática;
  13. reconhecimento público aos profissionais da educação, traduzido também em salários dignos. Que seus salários estejam à altura de sua importância social, encontrando-se entre os mais altos do serviço público;
  14. fim do desperdício decorrente de más Políticas Públicas em Educação que, por exemplo, segundo o Relatório FIESP, em 2010desperdiçaram 56 bilhões de Reais. Que cesse o abuso do uso do dinheiro público em propagandas que mascaram a realidade educacional do país e servem também de promoção eleitoral;
  15. erradicação da evasão escolar no Ensino Fundamental, Médio e Universitário, retirando o Brasil da terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – veja-se o Relatório de Desenvolvimento 2012 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD);
  16. implantação efetiva de uma política da juventude que contemple o espírito empreendedor, o protagonismo juvenil e o desenvolvimento dos valores humanos. Que se compreenda que a sociedade organizada do século XXI requer do cidadão produtivo autonomia, capacidade de escolhas, pro atividade, trabalho em equipe, autodidatismo, clareza na comunicação, controle e organização do tempo. Por conseguinte, tais habilidades, atitudes e caráter devem ser desenvolvidos na prática educacional do jovem, também no Ensino Médio, em conjunto com os conhecimentos específicos dessa etapa educacional;
  17. que a Educação Domiciliar e outros modos de desenvolver aprendizagem sejam permitidos às famílias que assim o desejarem, desde que garantida a coerência e a qualidade dos percursos de aprendizagem do educando à luz de um projeto educativo;
  18. substituição da reprovação, da aprovação automática e da recuperação, paralela ou ao final de um período, pela prática de uma avaliação formativa, contínua e sistemática capaz de permitir que o aprendizado caminhe junto com o desenvolvimento do pensar, a formação do caráter e o exercício da cidadania; e
  19. ampliação do uso da Mediação Escolar, da Justiça Restaurativa e de técnicas similares, para que os conflitos sejam resolvidos pela própria escola dentro da proposta da Cultura de Paz(UNESCO), proporcionando ambiente educativo motivador, que estimule cada estudante a superar-se a si mesmo, e não a superar os outros, promovendo a solidariedade e garantindo o direito de aprender a todos e a cada um.

O Brasil dispõe de produção científica e de práticas que provam a possibilidade de uma escola que a todos acolha e dê, a cada um, condições de realização pessoal e social. Resgatemos teses e práticas que viabilizem a construção de uma sociedade solidária, justa e sustentável (Agostinho da Silva, Alceu Amoroso Lima, Almeida Júnior, Anísio Teixeira, Aparecida Joly Gouveia, Armanda Álvaro Alberto, Azeredo Coutinho, Bertha Lutz, Cecília Meireles, Celso Suckow da Fonseca, Darcy Ribeiro, Durmeval Trigueiro Mendes, Eurípedes Barsanulfo, Fernando de Azevedo, Florestan Fernandes, Frota Pessoa, Gilberto Freyre, Heitor Villa-Lobos, Helena Antipoff, Humberto Mauro, José Mário Pires Azanha, Julio de Mesquita Filho, Lauro de Oliveira Lima, Lourenço Filho, Manoel Bomfim, Manuel da Nóbrega,
Maria Nilde, Nísia Floresta, Paschoal Lemme, Paulo Freire, Roquette-Pinto, Rui Barbosa, Sampaio Dória, Valnir Chagas e tantos outros).

Se o governo, através de suas políticas públicas, apoiar a execução das indicações, propostas e considerações acima expostas, estaremos rompendo definitivamente com a interiorização da incapacidade, com o fatalismo da reprodução do insucesso e da exclusão. Estaremos construindo um sistema educacional inclusivo, de qualidade informativa e formativa para cada cidadão brasileiro. Estaremos, também, caminhando no cumprimento efetivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN, nº 9394/96 e das diretrizes curriculares nacionais. Estaremos, por fim, criando condições efetivas para transformar um país.

De Brasileiros para Brasileiros que desejam:
“Mudar a Escola, Melhorar a Educação: Transformar um País”

CARTA DE PRINCIPIOS

1. EDUCAR-SE PARA A INTEGRALIDADE

A educação deve contemplar a humanidade dos educadores e educandos em sua totalidade,
sendo coerente com a indivisibilidade das dimensões biológica, mental e espiritual de cada pessoa. Assim como cada ser humano possui diferentes limites, possui também diversas potencialidades que poderão, ou não, ser desenvolvidas e expressas a partir das formações e transformações que ocorrem durante toda a vida. Para isso a educação deve ser um processo intencional, contínuo e transformador, que leve a integralidade e que repercuta durante toda a vida.

Desdobramentos: educação integral (2), transdisciplinaridade, currículo aberto, aprender a
conhecer-fazer-conviver-ser, educação continuada.

2. EDUCAR-SE EM SOLIDARIEDADE

A educação é um processo relacional, possuindo um caráter social que deve ser assumido nas
práticas educativas. A solidariedade, mais do que um objetivo ético a ser atingido, é uma condição primordial para a realização do trabalho educativo. Portanto, este só se desenvolverá plenamente se considerar e incluir as diversas relações entre todos os atores envolvidos: educandos, educadores, gestores, famílias e comunidades. No caso da escola, é indispensável que abra suas portas à comunidade, a fim de constituir-se em polo integrador e irradiador do saber e do esforço social pela educação, também cabe a escola incentivar a integração dos agentes e espaços comunitários a esse mesmo esforço.

Desdobramentos: comunidade educadora, docência compartilhada, ensino-aprendizagem
colaborativo, pedagogia de projetos.

3. EDUCAR-SE NA DIVERSIDADE

A educação deve contemplar a originalidade e a criatividade das pessoas, valorizando a
diversidade humana em todos os seus aspectos: físicos, psicológicos, culturais, etc. As práticas educativas devem ser coerentes com o fato de que as pessoas aprendem melhor segundo seus interesses e motivações, em diferentes ritmos e de diferentes formas. A noção de educação na diversidade, associada aos conceitos de integralidade e solidariedade, permite o reconhecimento tanto de nossas singularidades quanto das nossas igualdades, resultantes de nossas condições humanas e socioculturais. As diferenças, nesse contexto, devem ser consideradas como algo inerente ao ser humano, rompendo-se a lógica binária que nos fragmenta em “iguais” de um lado e “diferentes” de outro.

Desdobramentos: educação inclusiva (3), pedagogia da escuta, ensino não seriado, grupos
multietários, educação para a paz, pedagogia da autonomia, educação multicultural.

4. EDUCAR-SE NA REALIDADE

A educação deve servir para a melhora objetiva da realidade na qual ela ocorre, contribuindo para o chamado desenvolvimento local. Para tanto, ela deve ser contextualizada, integrada à vida dos educandos e de suas comunidades, aberta para a troca de experiências e conhecimentos. A educação só possibilitará à pessoa atuar efetivamente na transformação da sua realidade se proporcionar condições de autotransformação. Em outras palavras, é somente através da promoção de aprendizagens significativas que a educação contribuirá para a transformação humana e social.

Desdobramentos: contextualização, extensão comunitária, ensino ativo, aprendizagem
significativa.

5. EDUCAR-SE NA DEMOCRACIA

A educação que prepara para a democracia deve se dar através de práticas não-autoritárias, que permitam a ampla participação de educandos, dos educadores, das famílias e da comunidade. Só é possível uma educação para a ação cidadã se a educação for pela e na ação cidadã. As práticas educativas promotoras da liberdade, autonomia, respeito, responsabilidade, equidade e solidariedade devem estar associadas aos princípios anteriores para permitir que atinjamos o objetivo maior da autoresponsabilização social (4).

Desdobramentos: educação democrática, não-coercitiva, educomunicação, protagonismo juvenil.

6. EDUCAR-SE COM DIGNIDADE

A dignidade específica do ofício do educador é derivada da dignidade reconhecida na pessoa do educando. O educador deve ser cônscio do seu importante papel como agente social, assumindo sua missão como tutor dos educandos e facilitador de suas aprendizagens, entendendo que a educação deve ser solidária e coletiva e a aprendizagem um processo de dupla-via – entre o educador-aprendente e educando-ensinante. O tão almejado resgate da autoridade e a revalorização social e profissional do educador passam, necessariamente, pela reformulação das formações iniciais, pela reflexão e atualização permanente das práticas educativas e, principalmente, pela constante busca da coerência entre o fazer pedagógico e as necessidades educacionais dos educandos, suas comunidades e das
sociedades em geral.

* Esta Carta de Princípios é produto do trabalho coletivo dos membros do núcleo RC-SP,
realizado através de fórum virtual de discussões e reuniões presenciais durante os meses de agosto, setembro e outubro de 2008 e aprovada em assembleia no dia 18/10/2008. A versão desta carta com as assinaturas de adesão pode ser consultada em: http://rcsp.wikidot.com/carta-de-principios

(1) A educação pública é por nós entendida como aquela voltada para a população em geral e
que a todos dê garantias de acesso, sucesso e realização pessoal e social, seja ela de caráter estatal ou privado.

(2) A educação integral é vista aqui como aquela que considera as diversas dimensões da
experiência humana: sensorial, cognitiva, emocional, moral, ética, política, cultural, estética, artística, etc.

(3) O termo educação inclusiva é aqui utilizado com ressalvas, uma vez que seu uso só faz
sentido em um contexto excludente.

(4) A auto-responsabilização social refere-se à conscientização de que os contextos sociais são responsabilidade de todos e de cada um, visando que as pessoas e comunidades tenham condição de se apropriar das suas realidades e transformá-las.

Fonte: Manifesto Pela Educação

No que acreditar?

coracao

Houve um tempo em que eu realmente acreditava na educação bancária e que o único modo de aprender/ensinar era aquele utilizado nas escolas, que todas as minhas angustias e desconfortos eram causados por algum tipo de rebeldia. Então eu sempre dava um jeitinho de me adaptar à dinâmica da escola ficando quieta, prestando atenção no que me parecia interessante e simplesmente ignorando o que não me cativava, infelizmente levei esse pensamento comigo por muito tempo (digamos que até a faculdade).

Eu realmente achava que era preciso se adaptar a escola, que eu deveria seguir o ritmo dela (sendo este mais rápido ou mais devagar que o meu), que a escola era uma coisa chata e séria (onde às vezes apareciam uns professores que alegravam as coisas, mas que estes deveriam ser exceções), que eu só precisava decorar o necessário para passar de ano e que só doidos poderiam gostar daquilo. Mas felizmente, eu descobri que estava seriamente enganada, que tudo isso que me incomodava também incomodava muitas outras pessoas e que tinha pessoas que escreviam sobre isso, descobri que aprender pode ser bom, mas que para sentir este prazer era necessário amor, era necessário admiração. Rubem Alves dizia que ninguém aprende por ter um professor extraordinário e sim por amor, e isso não poderia ser mais verdade. Quem nunca começou a gostar de uma matéria ou prestar mais atenção em uma aula só por gostar do professor? Quem também nunca pegou ódio de uma matéria que gostava por ter um professor insuportável?

Foi então, que um dia o mundo passa por uma reviravolta e de repente me vejo em um lugar totalmente diferente, sendo mais clara, as cordas que me prendiam e me limitavam no colégio caem e me vejo na universidade. As pessoas se divertem quando falo que acho a UnB mágica, mas para mim ela realmente é mágica e explico os motivos que me fazer acreditar nisso. No colégio somos ensinados ou condicionados a sermos um objeto onde os professores jogam seus conhecimentos (pelo menos o que eles acham importante) e onde estes são hierarquicamente superiores (seja lá por quais motivos), não estou dizendo que na universidade isso não acontece, mas no colégio muitas vezes o aluno não tem voz, não podemos decidir o que é importante ou não, quando precisamos ir ao banheiro, quando deu por aquele dia ou quando qualquer palavra a mais será inútil pra sua vida, simplesmente todas as suas decisões terão que passar por um “superior” antes. Já na universidade podemos dizer que tudo está no seu nome, ou seja, se você quer ou não prestar atenção naquela aula, se você quer sair no meio, se você não quer fazer algum exercício, se você não quer ler aquele texto enorme que parece ser um saco… o problema é unicamente seu, não tem ninguém que vá te obrigar, te puxar pelo braço, falar com seus pais, a responsabilidade é sua, você decide o que é e o que não é importante para a sua vida (claro que tem professorxs e professorxs, umxs cobram mais, outrxs nem tanto). E para mim a magia está exatamente nisso, em fazer as coisas por querer fazer, em assistir aulas por querer assistir.

Ok, bonitinho, a teoria sempre costuma ser linda, mas no que acreditar? A maioria dos educadores não se esforçam para tentar despertar o amor em seus alunos, seja por eles seja pela matéria. Mas então, será que é suficiente apenas saber que tem pessoas que pensam como você e livros a respeito? Cadê tudo isso na prática? Cadê as mudanças? Cadê o amor em ensinar e aprender? Cadê a troca de conhecimentos? Cadê a horizontalidade? Para ser sincera, teorias não me iludem, eu quero ver, eu quero tocar, eu quero sentir.

E é nesse momento que entra na história um tal projeto de extensão chamado Universitários vão à Escola – UVE. Confesso que quando entrei na UVE não fazia ideia do que era extensão nem me importava se o projeto tratava de questões relacionadas ao direito ou não, eu só sabia que eles mexiam com crianças e eu queria isso, afinal as crianças sempre foram meus amores, elas têm aquele quê de mudança, de esperança e isto me encanta. Depois, através do projeto conheci a Escola da Ponte em Portugal que prega a autonomia e o amor por aprender em seus alunos, uma escola sem muros e sem regras, uma escola onde os alunos são autores e não coadjuvantes do seu aprendizado, uma escola que era tudo aquilo que eu sempre sonhei. Ao começar me envolver mais com o projeto, vi que extensão era muito mais do que assistencialismo ou caridade, e que ir para o Itapoã trabalhar com educação popular com aquelas crianças também era trabalhar com direito, direito a educação, direito de brincar, direito a cidadania, pequenas coisas do nosso dia a dia.

E agora com quase dois anos de UVE, posso falar com toda sinceridade que este projeto é a menina dos meus olhos, eu realmente acredito nele e sei do potencial que ele tem. A UVE entrou na minha vida para completar a minha formação universitária e hoje nem consigo imaginar como seria a minha formação como pessoa ou como jurista sem a extensão. Extensão e seu incrível dom de te ensinar muito sem que você perceba, como li uma vez é muito fácil saber o que aprendemos fazendo extensão, o difícil é saber o que ensinamos, e isso é a mais pura verdade, pois afinal, se não vamos pro Itapoã só brincar com as crianças, o que fazemos ou quais são nossos objetivos? E é exatamente este ponto que eu não consigo responder mesmo tenho um belo tempo de UVE, eu não sei ainda quais são nossos objetivos, talvez eles nem existam ou talvez eles sejam só quebrar esses muros que nos cercam e mostrar que é sim possível aprender brincando, que para aprender/ensinar é preciso amor, que crianças não são meras caixinhas onde os “adultos” devem depositar conhecimentos, que castigos e sanções não educam, que crianças SÃO sim autores do seu aprendizado, que elas tem muita coisa para ensinar e que se elas ainda voltam pra UVE (mesmo sem elas saberem muito bem o que a UVE faz) é por admiração e não por algum tipo de obrigação.

É depois da UVE eu sei no que acreditar, eu acredito em uma educação que transforma, que transforma pessoas e lugares, que transforma vidas. A UVE me permitiu ver, sentir e acreditar em um modelo de educação transformadora, onde não há hierarquias, obrigações, sanções e sim amor, crianças autoras de si mesmas. Não vou mentir falando que tudo dá certo sempre ou que é uma tarefa fácil, porque não é, a busca por horizontalidade e quebra de paradigmas é uma luta diária que às vezes ganhamos, às vezes não. A UVE vive uma eterna crise, mas são as crises que nos fazem crescer e sermos mais fortes, pois se um dia acabar as dúvidas, se um dia não nos perguntarmos mais se estamos ou não dando o nosso melhor, acaba a UVE, acaba tudo aquilo que acreditamos e buscamos. As crises são boas, te fazem ser melhor, te fazem querer buscar e dar o seu melhor.

Eu sei que é difícil entender isso, “Como assim um projeto que vive em crise? Desde quando isso é bom? Blá blá blá”, mas acredite crises são boas, te fazem refletir, infelizmente certas coisas só aprendemos vendo, e eu precisei ver e sentir na pele as crises da UVE para hoje dar o valor necessário. Só sendo uveanx para saber como é difícil ler tanta coisa que garante ser possível uma educação autônoma, sem obrigações, onde as crianças sabem o seu valor e desejam participar ativamente, ai você prepara uma atividade acreditando nisso e de repente você está no Itapoã todo seguro de si, achando que tudo será lindo e dá tudo errado, sim todo o seu planejamento vai por água abaixo. E sabe por que isso não é ruim nem o fim do mundo? Porque parte dessa coisa toda das crianças serem autônomas inclui elas escolherem o que interessa ou não elas, elas têm esse direito, e sabe qual a influência que tem isso em você? Crise, porque você quer saber onde você erro, quer fazer coisas que interessem elas, quer que tudo seja lindo para todos, e isso é bom.

UVE é amor, UVE é crescimento.

 

“É essa a imagem que se forma ao redor de minha paixão pela educação: estou semeando as sementes da minha mais alta esperança. Não busco discípulos para comunicar-lhes saberes. Os saberes estão soltos por aí, para quem quiser. Busco discípulos para neles plantar minhas esperanças.” – Rubem Alves.

By B

“La escuela ha cumplido ya más de 200 años de existencia y es aun considerada la principal forma de acceso a la educación. Hoy en día, la escuela y la educación son conceptos ampliamente discutidos en foros académicos, políticas públicas, instituciones educativas, medios de comunicación y espacios de la sociedad civil.Desde su origen, la institución escolar ha estado caracterizada por estructuras y prácticas que hoy se consideran mayormente obsoletas y anacrónicas. Decimos que no acompañan las necesidades del Siglo XXI. Su principal falencia se encuentra en un diseño que no considera la naturaleza del aprendizaje, la libertad de elección o la importancia que tienen el amor y los vínculos humanos en el desarrollo individual y colectivo.

A partir de estas reflexiones críticas han surgido, a lo largo de los años, propuestas y prácticas que pensaron y piensan la educación de una forma diferente. “La Educación Prohibida” es una película documental que propone recuperar muchas de ellas, explorar sus ideas y visibilizar aquellas experiencias que se han atrevido a cambiar las estructuras del modelo educativo de la escuela tradicional.

Más de 90 entrevistas a educadores, académicos, profesionales, autores, madres y padres; un recorrido por 8 países de Iberoamérica pasando por 45 experiencias educativas no convencionales; más de 25.000 seguidores en las redes sociales antes de su estreno y un total de 704 coproductores que participaron en su financiación colectiva, convirtieron a “La Educación Prohibida” en un fenómeno único. Un proyecto totalmente independiente de una magnitud inédita, que da cuenta de la necesidad latente del crecimiento y surgimiento de nuevas formas de educación.”

 

A Educação Está Proibida
La Educación Prohibida
140 minutos, 2012
Direção:
Germán Doin

A peça do quebra-cabeça que faltava

Quando eu entrei na UnB, no 2º semestre de 2006 para o curso de Computação, a minha mentalidade era adquirir conhecimentos associados ao meu curso para ser um bom profissional. O que veio a minha cabeça, assim que passei no vestibular, era aprender o que eu podia para ter um salário melhor, estabilidade e assim vai. Particularmente não vejo nada de errado em buscar evolução financeira em nossas vidas, mas o problema é ter apenas isso como meta e trilhar um caminho onde apenas recebemos conhecimento, buscando alcançar os nossos objetivos pessoais, ao invés de compartilhar conhecimento e assim atingir de forma mais digna os objetivos. Essa postura, de querer apenas receber conhecimento, é um dos reflexos da nossa educação bancária que recebemos todos os dias em nossas escolas.

Durante o meu curso, o que eu via basicamente ao meu redor, eram pessoas buscando ganhar bastante dinheiro trabalhando em empresas que pagavam bem em um mercado aquecido de computação, trabalhar com pesquisa em assuntos bem aplicados a computação ou trabalhar com a empresa júnior, que pelo menos nos meus tempos, trabalhava intensamente com outras empresas júniors ou com algumas empresas externas. Eu ouvia muito o pessoal falar que tínhamos que sair da caixinha, o que era muito legal, mas tempos depois eu fui entender que na verdade a gente saía de uma caixinha para outra maior, porém essa caixa maior era limitada ao ambiente da computação. Não serei injusto em dizer que não existia alguns projeto onde a gente poderia extrapolar essa caixa maior, mas infelizmente não havia incentivos para atrair os alunos e assim pudéssemos fazer algo para trocar conhecimento com uma parcela maior da população ao invés de ficar sempre associado a um ambiente com pessoas que já estavam dentro da universidade. Até o momento que me formei, não me recordo de haver um projeto de extensão no departamento, se existia estava escondido sem divulgação. Me formei no fim de 2010 sem participar de algo em que pudesse  ter contato direto com a população que estava fora da universidade e beneficiar numa via de mão dupla o estudante e a população.

Em setembro de 2013 fui convidado por um amigo a participar da (trans)Formação da UVE. Ele me explicou um pouco sobre o projeto e o que veio a minha cabeça seria algo como ficar ensinando um pouco da matérias básicas do colégio ou que eu poderia ajudar o projeto ensinando um pouco de computação. Durante a formação já tive condições de perceber que a coisa não seria tão cotidiana assim. Pude perceber isso quando o pessoal apresentou um vídeo que falava sobre a Escola da Ponte em Portugal. Nesse momento entendi que a coisa não seria como eu imaginava, pois ninguém apresenta um vídeo de uma escola que quebra, quase que completamente, com o sistema de ensino tradicional de ensino à toa. A menina explicando, com a maior propriedade e segurança do mundo, como funcionava  a Escola me fez entender que os membros da UVE queriam fazer algo diferente e me fez refletir sobre a lacuna que ficou na minha formação no ensino superior.

Me integrei a UVE em setembro de 2013  e tive a oportunidade de completar a lacuna que ficou restando da minha graduação. Entrei para um projeto de extensão após 2 anos e meio de formado, coisa atípica. Para ser bem sincero, a UVE me mostrou que a universidade não tem limites e que a troca de conhecimento não acontece apenas com grandes resultados ou apenas dentro do meio que você estuda, mas sim com pequenas atitudes. Passar uma tarde com as crianças de Itapoã e saber que você ajudou a ampliar o mundo daquela criança, não mostrando coisas que somente existem fora da realidade delas, mas sim fazendo elas serem críticas dentro da realidade em que vivem e ao mesmo aprender junto com as crianças, não é pouco, isso não tem preço.

Eu adquiri no fim  de 2010 o meu diploma de ensino superior, mas só agora realmente me sinto formado, pois consegui achar a peça que tava faltando no quebra-cabeça.

Fernando Alves